14 novembro, 2006

Porque ás vezes há quem diga o que nos vai na alma, aqui fica LARANJAS NO AR

"Pega no telefone e liga-lhe, não tens nada a perder. Diz-lhe que tens saudades dele, que ninguém te faz tão feliz, que os teus dias secos, frios e áridos, como um deserto imenso, sem oásis nem miragens sempre que não estão juntos. Pega no telefone e liga-lhe, se ele não atender, deixa-lhe uma mensagem. Ou então escreve-lhe um SMS a dizer que queres estar com ele. Não te alongues nem elabores, os homens nunca percebem o que queres deixar cair nas entrelinhas. Tens de ser clara, directa, incisiva. E não podes ter medo, porque o medo é o maior inimigo do amor. E cada vez que deixares o medo entrar nas tuas veias, ele vai gelar-te o sangue e paralisar-te os nervos, ficas transformada numa estátua de sal e morres por dentro.
Já fui como tu, uma sobrevivente à procura de uma luz que me levasse por um caminho com menos pedras. Às vezes ficava tão cansada de passar a vida sozinha que desmaiava de repente, assim do nada, só para descansar um bocadinho. Depois, tudo mudou. Mas demorou tempo, foi gradual. Não foi um amor à primeira vista, foi um amor plantado e criado como uma árvore. Ele era o meu melhor amigo e estava sempre lá. Almoçávamos todos os meses, depois semanas, depois, quase todos os dias. A pouco e pouco, sempre com muito cuidado, ele foi entrando na minha vida. Aprendeu a ouvir-me e aceitar-me sem máscaras... E eu aprendi a ser feliz.
A vida é uma incógnita, hoje estás aqui, amanhã podes ficar doente, ou cair-te um piano em cima quando fores a andar na rua. Ainda há pessoas que atiram pianos pela janela, sabias? Nunca se sabe o que é o dia de amanhã, por isso não percas tempo, pega no telefone e liga-lhe. Tenho a certeza que ele te vai ouvir, tenho a certeza que ele te vai ajudar, tenho a certeza que ele, à sua maneira – e é estranha a forma como os homens gostam de nós – ainda gosta de ti. Mesmo que já não te ame, ainda gosta de ti, como tu não vais aprender a gostar dele quando a vida te obrigar a desistir deste amor.
Ele está longe, mas olha para ti por entre memórias, presentes e flores. À noite, entre sonhos alterados pelo álcool e as drogas leves, tu apareces-lhe na cama e ele volta a sentir o cheiro da tua pele e volta a amar-te com todas as suas forças. Ainda que não acredites, tu viverás para sempre nele, tal como ele vive em ti, na memória das tuas células, num passado que pode ser o teu escudo, mesmo que não seja o teu futuro.
Pega no telefone e liga-lhe. Fala com ele de coração aberto, diz-lhe que o queres ver, chora se for preciso, pede-lhe que te diga se sim ou se não. Se for preciso, por mais que te custe, pede-lhe para te escrever a palavra NÃO. Pede-lhe uma resposta para o teu coração. Mais vale saberes que acabou tudo do que viveres com as laranjas todas no ar, qual malabarista exausto, sem saberes nem como nem quando elas vão cair. Mais vale chorar de tristeza de um amor perdido do que sonhar com um oásis que se transformou em miragem.
Pega no telefone e liga-lhe. Ligas as vezes que forem precisas até conseguires uma resposta, a paz de uma certeza, mesmo que essa certeza não seja a que desejavas ouvir. Mas não fiques, à espera que a vida te traga respostas. A vida é tua, tens de ser tu a vivê-la, não podes deixar que ela passe por ti, tu é que passas por ela. E quando todas as laranjas caírem, apanha-as com cuidado, guarda-as num cesto e muda de profissão. O circo é para quem não tem casa nem país, não é vida para ninguém. Guarda as laranjas num cesto, leva-as para casa e faz um bolo de saudades para esquecer a mágoa. E nunca deixes de sonhar que um dia, tal como eu, vais encontrar alguém mais próximo e mais generoso que te ensine a ser feliz, mesmo com todas as pedras que encontrarem no caminho. Largas as laranjas e muda de vida. A vida vai mudar contigo."

*Margarida Rebelo Pinto/2006

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